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O Turismo Acessível no Quadro Legislativo
Tudo o que acontece ao nível internacional e ao nível europeu sobre direitos individuais em geral e a acessibilidade em particular tem sempre efeitos, a curto ou longo prazo, a um nível local e nacional em muitos dos Estados-membros da União Europeia. A atenção geral às questões relacionadas com as deficiências começou no final dos anos 80 do século XX, graças principalmente às iniciativas empreendidas pelas Nações Unidas que já tinham adotado, em 1975, uma resolução contendo uma declaração sobre os direitos das pessoas com deficiência.
1981 – Ano Internacional das Pessoas Deficientes” das Nações Unidas”
O momento crítico, porém, foi em 1981, definido como o “Ano Internacional das Pessoas Deficientes” pela Assembleia Geral da ONU. A partir deste momento, teve início a “Década das Pessoas com Deficiência” (1983-1992).
Em dezembro de 1993, a Assembleia Geral da ONU adotou a resolução que contém as “Normas sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência”. Mesmo não sendo legalmente vinculativas, estas normas constituem uma recomendação muito poderosa junto dos governos dos diversos países para promoverem e publicarem políticas de garantia da igualdade de direitos para as pessoas com deficiência.
Este documento, nascido da experiência obtida ao longo da “Década das Pessoas com Deficiência”, abrange todos os aspetos da vida das pessoas com deficiência e contém um conjunto de regras agrupadas em 4 temas:
- condições prévias para a igualdade de participação
- áreas fundamentais para a igualdade de participação
- medidas de aplicação
- mecanismos de acompanhamento.
A título de exemplo, quatro destas regras estão diretamente relacionadas com o setor do Turismo:
- Norma 1 – Sensibilização. Os Estados devem tomar medidas para sensibilizar a sociedade (ex: potenciais turistas, empreendedores na área do Turismo, etc.) acerca dos problemas das pessoas com deficiência, dos seus direitos, das suas necessidades e potencialidades e do seu contributo, através de campanhas, publicidade nos media, distribuição de informação, programas públicos de formação, etc.
- Norma 5 – Acessibilidade. Os Estados devem reconhecer a importância global das condições de acessibilidade para o processo de igualdade de oportunidades em todas as esferas da vida social. Deverão introduzir programas de ação para garantir ambientes físicos acessíveis, como o desenvolvimento de normas e linhas de atuação em todas as esferas da sociedade e que estas medidas alcancem os responsáveis pela sua implementação (ex: na construção de edifícios, nos meios de transporte público de carácter público ou privado), e tomando medidas para dar acesso a informação e comunicação em todos os possíveis formatos para pessoas com deficiência.
- Norma 10 – Cultura. Os Estados devem tomar as medidas que garantam às pessoas com deficiência a integração e participação em atividades culturais em condições de igualdade.
- Norma 11 – Atividades recreativas e desporto. Os Estados devem tomar medidas que garantam às pessoas com deficiência iguais oportunidades na prática de atividades recreativas e desportivas. Deverão tomar medidas para tornar as praias, os hotéis, as instalações desportivas, etc. acessíveis a pessoas com deficiência. Todos os organizadores de atividades recreativas e de lazer devem organizar serviços tendo em mente as necessidades das pessoas com deficiência, pelo que será necessário a sua formação.
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
Em agosto de 2006, decorreu em Nova Iorque a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Foi aprovado um tratado internacional (obrigatório, vinculativo e com potencialidade coerciva), a partir do qual os direitos e liberdades das pessoas com deficiência são garantidos, sendo o primeiro tratado sobre direitos humanos aprovado no século XXI. Este tratado, indubitavelmente, levará a uma melhoria, do ponto de vista prático, no tratamento das pessoas com deficiência.
O objetivo da Convenção é desenvolver detalhadamente os Direitos das Pessoas com Deficiência e estabelecer um código de aplicação para que esses direitos sejam efetivos. O Tratado inclui também as “Normas sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência” de 1993. Todos os países que ratificaram o tratado (incluindo países da União Europeia) estão obrigados a modificar ou abolir leis para se adequarem aos requisitos deste tratado no âmbito da Igualdade de Oportunidades, consciencializando a sociedade desde cedo, e providenciar o máximo de recursos possível, e, se necessário, inserido num quadro de cooperação internacional.
A Convenção inspira-se numa nova abordagem em relação à deficiência, que atribui a condição dos deficientes à existência de barreiras de natureza diversa que inibem a sua participação na sociedade de maneira igualitária a todos os outros, e o seu âmbito principal deve ser a superação dessas barreiras. A acessibilidade para todos, o uso de instalações de alojamento acessíveis, o reforço do papel das organizações representativas e a aplicação do tema da acessibilidade em todos os processos de desenvolvimento são, portanto, as prioridades em que a Convenção se baseia. Estas prioridades pretendem alcançar os fundamentos essenciais, como a dignidade, igualdade e a não discriminação, a autonomia individual, a participação e a inclusão na sociedade, a aceitação da deficiência como parte da diversidade humana.
Apesar da maioria dos direitos reconhecidos na Convenção também esteja consagrada noutros acordos internacionais de direitos humanos aplicáveis a pessoas com deficiência, a Convenção possui um valor acrescentado significativo, uma vez que integra o quadro legislativo existente para a implementação efetiva do princípio da igualdade.
A partir de 26 de novembro de 2009, a Convenção integrou a legislação europeia. O Conselho da União Europeia ratificou o documento, o que obrigou os Estados-Membros a ter em conta os direitos estabelecidos neste documento da ONU, não só do ponto de vista legislativo, mas também estabelecendo ações para a realização dos objetivos da Convenção.
Em particular, o artigo 30 (Participação na vida cultural, atividades recreativas, de lazer e desportivas) está diretamente ligado às possibilidades de todos os cidadãos acederem a propostas de serviços de turismo.
O capítulo 1 do artigo 30 refere:
- Os Estados-Membros reconhecem o direito das pessoas com deficiência de participarem em igualdade de condições na vida cultural, e tomará as medidas necessárias para assegurar que as pessoas com deficiência:
(a) usufruam de acesso a materiais culturais em formatos acessíveis;
(b) usufruam do acesso a programas televisivos, cinema, teatro e outras atividades culturais, em formatos acessíveis;
(c) usufruam do acesso a locais para espetáculos e serviços culturais, como teatros, museus, cinemas, bibliotecas, e serviços de turismo, e tanto quanto possível, usufruam de acesso a monumentos e locais de interesse cultural a nível nacional.
Os Estados são obrigados a colocar em ação todas as medidas apropriadas para garantir que todas as pessoas com deficiência tenham acesso, em igualdade de condições, a propostas turísticas, de lazer e culturais.
Desenvolvimento Sustentável e Turismo Acessível
Em 2013, por ocasião da histórica Reunião de Alto Nível da ONU sobre Deficiência e Desenvolvimento com diversos chefes de Estado, foram debatidas as ligações entre deficiência e desenvolvimento, e exigiu-se uma ação reforçada para integrar a deficiência na agenda do desenvolvimento global. No documento resultante desta reunião, a acessibilidade foi identificada como uma área-chave. Para além disso, na mensagem do secretário-geral da ONU para o Dia Mundial do Habitat em 2013, Ban Ki-moon convidou a comunidade internacional a tornar as vilas e cidades acessíveis a todos.
Na recente “Agenda 2030 de Ação Global” contendo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 2015), o objetivo 11 foca-se nos princípios para “Tornar as cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis”. Este objetivo aborda a questão do turismo e das atividades recreativas a partir da temática do Design Universal para a acessibilidade e sustentabilidade dos sistemas de transportes, da urbanização inclusiva, do acesso aos espaços públicos e verdes, incluindo turismo e lazer.
Como já foi mencionado, no seu relatório de 2011, a Organização Mundial do Turismo (OMT) previu que o turismo iria aumentar e ser alvo de um desenvolvimento sustentável, alcançando 1,8 mil milhões de turistas internacionais em 2030. As cidades e serviços turísticos acessíveis asseguram a inclusão socioeconómica plena de todas as pessoas que beneficiam diretamente da promoção de hábitos de viagem mais sustentáveis.
A OMT também sublinha as ligações significativas entre os objetivos do desenvolvimento sustentável e o turismo, uma vez que tal está incluído como um alvo a atingir em três dos 17 objetivos.
Objetivo 8; Trabalho Digno e Crescimento Económico:
- até 2030, elaborar e implementar políticas para promover o turismo sustentável, que cria emprego e promove a cultura e os produtos locais;
Objetivo 12, Produção e Consumo Sustentáveis:
- até 2030, desenvolver e implementar ferramentas para monitorizar os impactos do desenvolvimento sustentável para o turismo sustentável, que cria emprego, promove a cultura e os produtos locais.
Objetivo 14, Proteger a Vida Marinha:
- até 2030, aumentar os benefícios económicos para os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países menos desenvolvidos, a partir do uso sustentável dos recursos marinhos, inclusive através de uma gestão sustentável da pesca, aquicultura e turismo.
Legislação Europeia
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção Europeia de Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais
As instituições da União Europeia reconhecem o direito de todos à igualdade perante a lei, bem como a proteção contra a discriminação. Ambas estão incluídas na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na Convenção Europeia de Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais.
A União Europeia reconhece o direito a um modo de vida independente, a um emprego e à segurança. Também reconhece que o acesso a benefícios e oportunidades decorrentes das atividades de lazer, viagens e turismo não deverão ser negados aos cidadãos com deficiência, sempre com condições de segurança e conforto, e que já estão disponíveis aos outros cidadãos europeus.
Artigo III do Tratado que Estabelece uma Constituição para a Europa
Este artigo autoriza o Conselho a “combater a discriminação em razão do sexo, raça ou origem étnica, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual”.
2003 – Ano Europeu das Pessoas com Deficiência
O Conselho da União Europeia declarou o ano de 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, durante o qual os Estados-membros promoveram campanhas de sensibilização e consciencialização sobre a discriminação de pessoas com deficiências em todas as áreas, e trocas de boas práticas neste setor. Este ano teve consequências muito positivas em toda a indústria do turismo, embora não as suficientes. Quaisquer mudanças necessitam tempo, e no setor do turismo há ainda necessidade de muitas outras mudanças.
2007 – Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos
O Conselho da União Europeia declarou 2007 como o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, com o objetivo de aumentar a consciencialização para a rejeição de atitudes e comportamentos discriminatórios e fornecer mais informações aos cidadãos sobre os seus direitos e obrigações legais. Em linha com os objetivos para este ano, podemos sublinhar como exemplo, a publicação dos Direitos dos Passageiros Aéreos e Ferroviários, assim como outras diretivas publicadas para outros meios de transporte. Tal pode ajudar os fornecedores do setor do turismo europeu a saber que passos deverão ser dados para garantir que os seus produtos e serviços possam ser usufruídos e consumidos em igualdade de oportunidades para todos.
Adoção da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o seu Protocolo Opcional foram adotados a 13 de dezembro de 2006. A convenção é o primeiro instrumento internacional juridicamente vinculativo que estabelece normas mínimas para os direitos das pessoas com deficiência, e a primeira convenção de direitos humanos da qual a UE se tornou parte. A 26 de novembro de 2009, o Conselho da Europa adotou a convenção, que entrou em vigor em 22 de janeiro de 2011 em toda a União Europeia.
Os elementos centrais da Convenção da ONU refletem-se na Estratégia Europeia para a Deficiência 2010-2020.
A 15 de novembro de 2010, a Comissão Europeia adotou a Estratégia Europeia para a Deficiência 2010-2020, a qual visa quebrar as barreiras que impedem as pessoas com deficiência de participar na sociedade em igualdade de oportunidades. A estratégia está estruturada em 8 áreas para ação conjunta entre a EU e os seus Estados-membros: acessibilidade; participação; igualdade; emprego; educação e formação; proteção social; saúde; ação externa.
O documento de trabalho da Comissão Europeia apresenta os objetivos específicos identificados na estratégia e as ações previstas para os alcançar.
Mais informação sobre o tema está disponível no site da Comissão Europeia: https://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=1137&langId=pt
Ato Europeu de Acessibilidade (2015 – 2018)
Desde 2015 que a União Europeia se debate com uma proposta de lei que pode tornar vários produtos e serviços acessíveis na Europa: o “Ato Europeu de Acessibilidade” (European Accessibility Act). Infelizmente, as discussões no Parlamento Europeu mostram claramente que a importância da lei será drasticamente reduzida.
A 2 de dezembro de 2015, a Comissão Europeia publicou uma proposta para um Ato Europeu de Acessibilidade. Uma vez que esta proposta de lei seja aprovada, deverá conduzir a requisitos comuns de acessibilidade que abranjam produtos e serviços em toda a UE. Atualmente, não existe legislação específica da UE sobre a acessibilidade para pessoas com deficiência e a proposta de lei do Ato Europeu de Acessibilidade tem, portanto, um grande potencial.
Muitas organizações europeias estão a fazer campanhas para que o Ato Europeu da Acessibilidade se torne uma lei vinculativa. O ato foi proposto sob a forma de uma diretiva, que tem um valor vinculativo, uma vez que, desta forma, os Estados-membros têm a obrigação de o implementar na legislação do seu próprio país. Infelizmente, o último acordo provisório sobre o Ato Europeu de Acessibilidade, alcançado a 8 de novembro de 2018 pelas instituições da UE, cobre apenas a acessibilidade digital e deixa de fora o ambiente do mundo real em que vivem as pessoas com deficiência.
O Ato Europeu da Acessibilidade acrescenta novos requisitos mínimos para a acessibilidade em toda a UE numa série limitada de produtos e computadores, smartphones, TV, caixas automáticas multibanco, terminais de pagamento, e-books, leitores eletrónicos, sites e aplicações móveis de empresas privadas, e máquinas automáticas de venda de bilhetes. O número de emergência 112 e os serviços de telefonia também terão de ser acessíveis a todos os europeus.
No entanto, o Ato carece de aspetos essenciais: exclui transportes, microempresas que prestam serviços, eletrodomésticos, exclui qualquer obrigação sobre edifícios e infraestruturas acessíveis, e exclui o ambiente real em que as pessoas passam a maior parte do seu tempo.
Adotar um Ato de Acessibilidade que também previsse obrigações e normas para o ambiente construído, transportes e pequenas empresas, seria um grande passo para a UE promover a inclusão dos seus 80 milhões de pessoas com deficiência, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que a UE e todos os seus Estados-membros ratificaram.
A esperança tida no final de 2018 era que uma revisão do Ato fosse possível antes da sua adoção. Caso contrário, caberá aos Estados-membros, individualmente, aplicar as numerosas e vastas alterações legislativas que possam ainda ser necessárias para criar uma União Europeia que defenda verdadeiramente os direitos de todos os seus cidadãos.